23.12.18

Noite feliz, noite de luz

Ilustração: Son Salvador

Os brilhos de dezembro se multiplicavam em cada vitrine. Luzes coloridas alegravam as ruas. Árvores de Natal disputavam entre si qual delas chamava mais a atenção. Àquela hora da noite, apesar da chuva que ameaçava cair, ainda era possível avistar pessoas caminhando apressadas com enormes embrulhos nas mãos.

Em incontáveis lares da cidade, pratos saborosos deviam estar sendo preparados, enquanto tudo, aos poucos, tentava se acalmar. A fúria das compras e o tromba-tromba nas esquinas iam dando lugar ao silêncio e a um desejo natalino de repouso e paz.

Foi então que um aguaceiro desabou sobre a metrópole. De repente, uma pesada cortina de chuva escondeu cada pisca-pisca, cada enfeite, envolvendo em seus braços molhados os prédios, os carros e as estrelas que pontilhavam o céu.

Debaixo do viaduto de uma imensa avenida, nenhuma luz colorida, nenhuma bola reluzente, nenhum pinheiro luzindo. Naquele lugar, não havia indício algum de Natal. Ao lado do amontoado de caixas de papelão, um enorme rio se formava por causa da enxurrada. Goteiras tilintavam dentro de algumas panelas vazias. Música de sino?

Diante da cidade encharcada e ocupada em festejos, um vibrante choro de criança vencia o barulho dos trovões e os clarões da tempestade. Mas essa mesma cidade, naquele instante, não sabia e nem podia ouvir nada.

No abrigo feito de papelão, nascia um menino, que talvez se chamasse Jesus da Silva, filho do José Romeiro da Silva e da Maria da Anunciação Silva, catadores de papel, caçadores de sonhos.

Nascia, sim, o Jesus da enorme cidade. Mais um Jesus sem presentes, sem árvores com luzes piscando ao seu redor, sem o perfume das deliciosas comidas. Era Natal e muitos na cidade nem sonhavam. A chuva ocultou o Jesus do viaduto e tantos outros mistérios daquela noite.

Mesmo sem um coral de anjos a entoar canções natalinas, mesmo sem uma estrela a guiar o futuro, para José, para Maria e para Jesus, era noite feliz.

Pedro Antônio de Oliveira

Conto originalmente publicado no jornal Diário da Tarde, em 23 de dezembro de 2000 

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