30.8.08

Onde ela mora?


Bem, cada um dá um jeito de ser feliz como pode. Uns trabalhando feito loucos para juntar uma montanha de dinheiro, outros estudando até soltar alguns parafusos da cabeça (com perigo de perder as orelhas e um punhado de fios de cabelo), outros rangendo os dentes na academia (de tanto pegar peso pra ficar com aquele corpo!), outros gastando até o último centavo do salário para estar em todos os shows de axé que se tem notícia (nada contra o axé!).

Isso porque, na verdade, ninguém sabe ao certo o que é a felicidade. O que eu sei (ou acho que sei) é que a felicidade mora na gente. Tem hora que ela adormece, pára um pouco pra descansar (o que é normal!) e, aí, é uma aflição que Deus-me-livre. É quando a felicidade cochila ou tira férias que todo mundo fica perdido, à procura de caminhos...


PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Brincalhona das palavras


Lygia Bojunga Nunes: "Eu tenho que achar um lugar pra esconder as minhas vontades. [...] Às vezes, acho que é a vontade de crescer de uma vez e deixar de ser criança.".


LIVRO – a troca


Pra mim, livro é vida; desde que eu era muito pequena os livros me deram casa e comida. Foi assim: eu brincava de construtora, livro era tijolo; em pé, fazia parede, deitado, fazia degrau de escada; inclinado, encostava num outro e fazia telhado.

E quando a casinha ficava pronta eu me espremia lá dentro pra brincar de morar em livro. De casa em casa eu fui descobrindo o mundo (de tanto olhar pras paredes). Primeiro, olhando desenhos; depois, decifrando palavras.

Fui crescendo; e derrubei telhados com a cabeça. Mas fui pegando intimidade com as palavras. E quanto mais íntimas a gente ficava, menos eu ia me lembrando de consertar o telhado ou de construir novas casas. Só por causa de uma razão: o livro agora alimentava a minha imaginação.

Todo dia a minha imaginação comia, comia e comia; e de barriga assim toda cheia, me levava pra morar no mundo inteiro: iglu, cabana, palácio, arranha-céu, era só escolher e pronto, o livro me dava.

Foi assim que, devagarinho, me habituei com essa troca tão gostosa que – no meu jeito de ver as coisas – é a troca da própria vida; quanto mais eu buscava no livro, mais ele me dava. Mas, como a gente tem mania de sempre querer mais, eu cismei um dia de alargar a troca: comecei a fabricar tijolo pra – em algum lugar – uma criança juntar com outros, e levantar a casa onde ela vai morar.

(Mensagem de Lygia Bojunga para o Dia Internacional do Livro Infantil e Juvenil, traduzida e divulgada nos 64 países membros do IBBY).

Quer conhecer um pouco mais sobre a Lygia, uma das minhas autoras prediletas? Clique aqui.

29.8.08

Constatação


Hoje subi bem no alto da torre para ver o meu amor passar. Só que meu amor não passou. Bobagem a minha! Amor não passa mesmo. Nunca! Amor vem e pára na gente.


PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Mar no sertão


Quando fica muito tempo sem chover, vai me dando uma agonia, um calor, uma secura. E uma idéia não sai do meu pensamento: "E se não chover nunca mais? E se faltar água e eu morrer de sede?". Mas com tanta água no mar... será possível?

Só que água do mar ninguém bebe, já me explicaram, é salgada demais. É ruim. Só peixe dá conta. Água do mar é feita de lágrimas, milhões e milhões de gotas de lágrimas, principalmente daquelas pessoas que moram longe, naqueles lugares que quase não chove, por exemplo. É tanta lágrima, mas tanta lágrima... que a dor escorre todinha, indo parar distante dali, formando mares. Lágrimas de gente que não vê chuva, que morre de medo de não chover, igual a mim. Qualquer dia desses, vai ter lágrima minha no mar.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Ponto de vista


Ela disse que ainda não me deu bola porque me acha um pouco quadrado.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

28.8.08

Era uma vez o "jaca"

A Aninha gosta muito de gato. Ô, menina que adora gato, credo! Nunca vi. Parece que tem problema. Agora, os gatos não gostam dela - disso eu sei! Ora, se gostassem, não arranhavam a coitada como diversas vezes já arranharam. Tudo bem que a Aninha, aqui pra nós, mata qualquer gato de raiva, com aquela pegação, aquela "abraçação".
Dizem que gato não é amigo de gente... São traiçoeiros, interesseiros, misteriosos, sei lá. Pode ser... Gato tem olho esquisito, já viu?! Fica olhando pra gente, assim meio parado, parecendo que vai pular, arranhar nossa cara, búúúúú! Ai, dá um calafrio. Bem, mas as manias da Aninha não paravam por aí, não. Ela também era louca por bicho de pelúcia. No quarto dela, tinha um milhão deles. Pra limpar a casa em dia de faxina, nossa senhora, coitada da empregada, era uma trabalheira! Tinha que ter o maior cuidado, senão... rua! Demissão sumária!
Um dia um gato subiu na cama dela e começou a brincar com um dos bichos de pelúcia. Adivinha o que aconteceu? Fácil, né! Rasgou um dos brinquedinhos de Aninha. Era um jacaré de pelúcia! Voou enchimento de jacaré pelo quarto todo, foi uma sujeira, uma confusão! Josefina, a pobre da empregada, quando bateu com os olhos naquela bagunça, gritou como se estivesse vendo uma alma penada e depenada!
A Aninha veio correndo... e deu um chilique com direito a desmaio e choradeira! “Ai, meu Deus!!! Justo o jacaré??? Foi o Juninho quem me deu! E ele trouxe de tão longe... de Quixeramobim! Coisa rara! Nunca mais vou ter um igual!” É verdade. O namorico dos dois já tinha dado o que tinha que dar. Não ia ganhar outro jacaré daquele tão cedo, só na próxima encarnação, porque nem namorado Aninha tinha mais. Lágrimas e pelúcia, a mistura perfeita para o caos. A empregada, além de vassoura, teve de pegar o rodo para enxugar toda aquela molhança.
“Que tal se a senhora arrumasse um novo namorado pra te dar outro jacaré ou onça, ou coelho ou...” sugeriu a Josefina na melhor das más intenções (porque ela também não deixava de alfinetar um pouco, de tão cansada daqueles tremeliques da patroa, irritantes e fora-de-hora). Um olhar fulminante secou a Josefina que só não morreu de mau-olhado porque era protegida de “Padinho Pade Ciço”. Ah, mas depois passou. Aninha acabou esquecendo o jacaré. Também... o que havia de se fazer?

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

14.8.08

Uma história, uma lorota... e fiquei de boca torta!


"A partir deste instante, você é um inventor de sonhos. Pegue o lápis e esqueça seu resfriado malcurado, que já é hora de deixar o mundo mais encantado. Sempre que sentir o coração - alegre ou com dor -, use seus poderes mágicos de escritor. Assinado: Senhor das Letras, o maluco das idéias." Foi essa a mensagem que o narrador encontrou num estojo esquecido na sala de aula. Ele obedeceu - e o resultado são as histórias deste livro, que, em vez de entortar a boca, encanta os olhos e o coração da gente...

UMA HISTÓRIA, UMA LOROTA... E FIQUEI DE BOCA TORTA!
PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA
ILUSTRAÇÕES DE ADRIANA CAMARGO
...

12.8.08

Espera feliz


Ele nasceu numa cidade de nome bonito: Espera Feliz. Mas a vida inteira se perguntou: "como pode alguma espera ser feliz?". Não tinha dúvida de que essa história de esperar era uma coisa muito chata. E ele se sentia aflito. Até que um dia se cansou. Tomou uma atitude. E aí, sim, ele foi feliz - agora longe da espera. Mudou de cidade. Foi morar em Boa Esperança.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

É o que me falta


Se eu pudesse, falaria lindas palavras de amor para você. E se eu tivesse coragem também, é claro! Só que coragem é algo que se cultiva. Leva anos para dar flores.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Eu abraço...


O abraço é um negócio tão gostoso que devia durar para sempre. Quando a gente abraça, os corações se misturam e organizam uma batucada. O verão de um invade o inverno do outro e tudo vira primavera. A gente protege. A gente sente proteção. Na hora de um abraço, é tanta coisa que acontece... Um segredo pode ser contado ao pé do ouvido. Um choro pode se derramar e virar cachoeira, e virar alívio no instante seguinte, e virar alegria, e virar dia de sol. A saudade, apertada no abraço, costuma virar uma grama macia, boa para se deitar e tirar um cochilo. O abraço é sabido como ele só e deixa sempre escapar um sorriso, e a tristeza... ah, essa vai embora, sem graça... Porque o abraço pode se transformar em algo assim tão lindo que as palavras não sabem contar direito. Haverá um tempo em que todo abraço será um beijo.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

9.8.08

Milagres e segredos


Há uma mágica em todo lugar. Só não vê quem não quer. Quem tem cabeça de chulé. Quem se disfarça de sábio, mas é mané! Quem tem asa e só usa o pé! Quem bota leite no café! Quem vive com medo, mas diz que tem fé! É ou não é?

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

De brilho opaco


As estrelas são bonitinhas, né! Eu acho. Mas aquelas da televisão, aquelas que só aparecem em festas, escovadinhas, sorridentes, falsamente felizes e simpáticas... ah, essas eu acho chatinhas!


PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

A gente acaba aprendendo


E eu que sempre pensei que meu nariz não era nariz, era um narigão, uma dessas coxinhas de boteco. O meu cabelo, esse aí, pelo-amor-de-Deus, nunca parou no lugar. Era gel, era creme sem enxágüe (não conta pra ninguém), era touca com secador (pra parecer liso e com balanço, era máquina zero pra ver se ele nascia de novo (melhor desta vez), era tanta coisa, tanto trabalho... As espinhas, então, eram como pipocas vis, torpes e vingativas, saltitantes da testa até o queixo, de um lado a outro da bochecha (Danadas, parece que se divertiam!). Enfim, eu – rascunho do adolescente com um só destino traçado. Vai morrer só e desengonçado. Bobo eu. Devia, desde cedo, ter seguido meu sonho de ser palhaço. Escondia as imperfeições criadas na cabeça e deixava o mundo perfeito, cheio de risos.


PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Acho que a gente deve “dar um tempo”


O amor tem dessas coisas, minha flor. O importante é você não perder a cor. É não ficar por aí, se lamentando, murchinha, sem graça. Senão, ninguém vai te querer. Senão, as coisas vão piorar ainda mais. E esse coraçãozinho nunca, nunca terá paz.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Você também não acha?


É tudo muito engraçado quando se tem alguém do lado. Até a vida.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

8.8.08

Bem protegido


Foi naquele dia que choveu muito
Uma chuva de deixar até pato gripado
Abri meu guarda-chuva, o que mais?
E choveram estrelas bem na minha cabeça
Algumas acertaram a testa
Outras, os olhos.
E minhas idéias ficaram iluminadas.
O caminho também.
Foi o que me salvou de pegar um resfriado.
Mas o melhor de tudo
Veio no final.
Escapuliu de dentro do guarda-chuva
Além das estrelas, um farol!
Também pudera! Como não desconfiei?
Aquilo nunca fora guarda-chuva
Mas, sim, um guarda-sol.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Mania de explicação


Era uma vez uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.

Explicação é uma frase que se acha mais importante do que as palavras. As pessoas até se irritavam; irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio de seu peito, com aquela menina explicando o tempo todo o que a população inteira já sabia. Quando ela se dava conta, todo mundo tinha ido embora. Então ela ficava lá explicando sozinha.

Solidão é uma ilha com saudade de barco.

Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue.

Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.

Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer “eu deixo” é pouco.

Pouco é menos da metade.

Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.

Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro da sua cabeça.

Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.

Agonia é quando o maestro de você se perde completamente.

Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.

Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.

Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.

Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.

Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.

Renúncia é um não que não queria ser ele.

Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.

Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente.

Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.

Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.

Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.

Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.

Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.

Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.

Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.

Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.

Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.

Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.

Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.

Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um "xis" preto ou vermelho.

Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.

Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.

Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo.

Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.

Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.

Desatino é um desataque de prudência.

Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.

Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.
Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.

Emoção é um tango que ainda não foi feito.

Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.

Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.

Desejo é uma boca com sede.

Paixão é quando apesar da placa “perigo” o desejo vai e entra.

Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não.

Amor é um exagero...Também não. É um desaforo... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego? Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina.

ADRIANA FALCÃO

Sugestões para presente


Amor. Bolinhas de sabão. O som de copos com água. O som das gotas no chão. Um sorriso tímido. A música por trás dos ruídos. Um barquinho de papel. Um avião nas mãos de um menino. Um coração encostado no outro. Um ou dois para sempre. Uma pipa atravessando as nuvens. Uma sementeira de tulipas. Um par de meias listradas. Dois ou três cata-ventos. Uma palavra inventada.

RITA APOENA

6.8.08

Um desejo


Um castelo ainda vou construir
Que seja de areia
Que seja de vento
Mas que você more lá dentro.

E, se por algum motivo ele ruir,
Não faz mal
O nosso amor apenas vai se mudar
Para algum outro canto desse mar.


PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Convite


Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha da vida,
sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou mistério
A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos a sério.

(Extraído do livro "Perdas & Ganhos", Editora Record - Rio de Janeiro, 2003, pág. 12.)

LYA LUFT

Mas há a vida


Mas há a vida
que é para ser intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

CLARICE LISPECTOR

A um passarinho


Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
Se é para uma prosa
Não sou Anchieta
Nem venho de Assis.
Deixa-te de histórias

Some-te daqui!

VINICIUS DE MORAES

5.8.08

Se liga nesta dica de livro


Pessoal, gosto é gosto... e isso, todo mundo sabe, não se discute. Mas um livro que li recentemente e que adorei foi Se liga, Charles!, de Vincent Cuvellier (Edições SM Brasil, Coleção Barco a Vapor). É a história de uma amizade que nasce de repente, por obra do destino. Sabe aquele colega que parece um chato de galocha? Ou aquele outro sem graça, meio antipático, meio transparente?... Pois é, a vida às vezes é assim: do nada, a gente descobre que as pessoas são legais. Basta um pouquinho de convívio para se jogar por terra aquela história de que a primeira impressão é a que fica.

"Se ele não existisse, daria na mesma." É o que Benjamin pensa de Charles Phillipe. Branquelo, asmático e metódico, o colega de classe tem jeito e manias de velho. Todos o ignoram. Um dia o menino toma um tombo que o obriga a ficar na cama por três meses. E Benjamin é designado a levar-lhe as lições diariamente. Na primeira visita, ele acha tudo estranho: a casa sombria, os pais idosos, a seriedade. O que poderá surgir dessa convivência forçada?

Vale a pena conferir. O livro possui uma linguagem levemente poética e muito atraente. Está aí. Eu recomendo.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA

Falta de armas


Dois caracóis chocaram, de leve, as suas casas, e mexeram tentáculos, um dia inteiro, pedindo-se mil desculpas...

GUIMARÃES ROSA

Das utopias


Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

MARIO QUINTANA
Leia mais poesia de Mario Quintana - Clique aqui


4.8.08

Metade é verdade, o resto é invenção


Na rua das Petúnias, número 22, em uma casa verde, mora o menino que anota o seu dia-a-dia nas páginas de um livro. Tudo o que acontece na vizinhança e em sua vida de garoto merece um olhar atento e sensível. Essa é a história de Metade é verdade, o resto é invenção, primeiro livro do jornalista Pedro Antônio de Oliveira, lançado em novembro de 2007 pela editora Saraiva no selo Formato.

O narrador-personagem é engraçado e tem muito bom humor, mas não é bobo. E sabe se indignar quando vê injustiça, tristeza e piada de mau gosto. Ele conta como aprendeu a andar de bicicleta, como voou de balão, como criou uma tartaruga que se chamava Outra Coisa, como o galo do colega virou ensopado. Também conta do passeio de maria-fumaça, da bicicleta com motor que o primo esperto inventou, dos misteriosos vizinhos que foram embora sem se despedir, sem conhecer ninguém, e lembra com saudade de sua professora mais querida.

São crônicas do cotidiano de um menino que, no dizer do autor, sabe “como é bom brincar numa rua cheia de árvores, ter amigos, se divertir, criar brincadeiras, tomar banho de chuva... tudo sem medo, na mais pura liberdade”.

Ilustrado com graça e humor pelo mineiro Angelo Abu, o livro conta histórias simples da meninice e faz o leitor ficar com vontade de vivê-las ou se lembrar do que aproveitou da infância. Metade é verdade, o resto é invenção aborda temas como liberdade, injustiça e segurança.


O ilustrador
Angelo Abu nasceu em Belo Horizonte e se mudou com 5 anos de idade para Arraial d'Ajuda, Porto Seguro, onde viveu “plenamente com irmãos caninos por 3 anos”, como costuma explicar. “Daí minha síndrome de Mogli”, brinca. Desde então, todo ano, passa um bom tempo por lá. Morou também em Oklahoma, nos Estados Unidos, entre 1991 e 1992, onde trocou o convívio dos pataxós baianos pelo dos cherokees americanos. De volta a Belo Horizonte, estudou psicologia e ministrou aulas de inglês. Quando se deu conta, estava ilustrando apostilas de inglês e se debruçando na interpretação psicanalítica de mitos e contos de fadas.

Em um festival de inverno de Ouro Preto, em 1995, cursou oficina com Marilda Castanha e Paulo Bernardo Vaz, quando ilustrou seu primeiro livro, Zoomágicos (Editora Formato). Também estudou Cinema de Animação na Escola de Belas Artes da UFMG.

Apesar de jovem, Abu já coleciona importantes trabalhos de ilustração de muitos livros. Nas horas vagas, é “equilibrista de corda-bamba e aprendiz de Kung Fu”, destaca em tom de humor. “Agora inicio uma nova fase em minha vida”, conta. “Com um laptop na mão e algumas idéias na cabeça, partirei pelo mundo, ilustrando de onde eu estiver. Viva la internet!"

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Clique aqui para encontrar o livro.

A mágica da bicicleta


Era uma vez o menino e sua bicicleta mágica.
Por que a bicicleta era mágica?
Ora, porque ela fazia coisas mágicas, inimagináveis, impossíveis.
E tudo o que é sem explicação só pode ser mágico.
A bicicleta fazia a tristeza ir embora, fazia a raiva passar,
fazia a tarde ficar mais linda, fazia o tempo correr.
Qualquer coisa chata que acontecia na vida dele era motivo para pedir ajuda à bicicleta mágica. Era quando a barra pesava, era quando o coração apertava de saudade,
era quando um novo amor pintava na curva,
era quando a mãe enchia,
era quando o medo surgia.
Não era de se espantar. A bicicleta era normal.
Era amiga. Só que era mágica.

PEDRO ANTÔNIO DE OLIVEIRA